Enquanto o mundo observa com apreensão a crescente tensão geopolítica em torno das terras raras, dominada pelo controle de exportação da China, o Brasil se encontra em uma posição paradoxal e estratégica.
O país detém a segunda maior reserva mundial desses 17 elementos químicos vitais para a tecnologia moderna — cerca de 21 milhões de toneladas, ou 23% do total global — mas sua produção e refino ainda são incipientes.
Essa lacuna entre potencial e realidade representa uma das mais significativas oportunidades econômicas e estratégicas para o Brasil nas próximas décadas.
Para as empresas de contabilidade brasileiras, este cenário não é apenas uma notícia distante; é o prenúncio de uma nova e complexa fronteira de atuação.
A exploração de terras raras em estados como Minas Gerais, Goiás e Bahia exigirá um nível de especialização contábil que vai muito além da escrituração tradicional.
A contabilidade assume, neste contexto, uma função estratégica indispensável para guiar as empresas brasileiras através dos desafios de valoração de ativos minerais, gestão de riscos geopolíticos, conformidade regulatória e exigências de sustentabilidade.
Este artigo explora as dimensões críticas do papel da contabilidade no nascente setor de terras raras do Brasil, destacando como uma abordagem contábil robusta, alinhada às normas brasileiras (CPCs) e atenta ao cenário global, é fundamental para transformar o potencial mineral do país em sucesso econômico sustentável.
O Contexto: Risco Global e Oportunidade Nacional
A cadeia de suprimentos de terras raras é uma das mais concentradas do mundo. A Agência Internacional de Energia (IEA) aponta que a China responde por 91% do refino e 94% da produção de ímãs permanentes, componentes críticos para setores que vão de energias renováveis à defesa.
Os recentes controles de exportação impostos por Pequim transformaram o risco de interrupção do fornecimento em uma realidade, gerando uma busca global urgente por diversificação.
É aqui que o Brasil entra no mapa. Com vastas reservas ainda inexploradas, o país é visto por nações como os Estados Unidos como um parceiro potencial para reduzir a dependência da China.
No entanto, para capitalizar essa oportunidade, as empresas brasileiras precisam superar desafios significativos, incluindo a falta de uma cadeia de processamento completa e a ausência de um marco regulatório específico. É neste ambiente de alta complexidade que a expertise contábil se torna um diferencial competitivo.
A Atuação da Contabilidade Brasileira na Mineração de Terras Raras
Diante de um setor com tamanha complexidade técnica, financeira e regulatória, os profissionais de contabilidade no Brasil são chamados a atuar como analistas de risco, estrategistas financeiros e especialistas em conformidade. A seguir, detalhamos as áreas de atuação cruciais, com foco nas normas contábeis brasileiras.
Valoração de Ativos Minerais e Impairment (CPC 34, CPC 27, CPC 01)
A correta mensuração e valoração dos ativos de mineração são a base para a saúde financeira de qualquer projeto. As normas brasileiras fornecem o arcabouço para esse tratamento complexo.
- Ativos de Exploração e Avaliação (CPC 34): Embora o Pronunciamento Técnico CPC 34 (Exploração e Avaliação de Recursos Minerais), correlato ao IFRS 6, ainda não tenha sido formalmente editado, ele estabelece as diretrizes para a capitalização dos custos incorridos na busca por recursos minerais. Os contadores precisarão definir políticas contábeis claras para esses ativos, que devem ser rigorosamente testados quanto à perda de valor recuperável (impairment);
- Ativo Imobilizado (CPC 27): Uma vez que a viabilidade técnica e comercial da extração é demonstrada, os custos de desenvolvimento da mina (infraestrutura, equipamentos) são capitalizados como Ativo Imobilizado, seguindo o CPC 27. A contabilidade é responsável por determinar a vida útil desses ativos e os métodos de depreciação, que na mineração são frequentemente baseados em unidades de produção;
- Redução ao Valor Recuperável (Impairment) (CPC 01): O cenário geopolítico torna o teste de impairment, orientado pelo CPC 01, uma atividade recorrente e crítica. Um controle de exportação ou uma queda abrupta no preço de um elemento específico pode tornar uma reserva inteira economicamente inviável, exigindo uma baixa contábil imediata para refletir a perda de valor.
Gestão de Riscos e Controles Internos
Para uma empresa brasileira que busca atrair investimentos e operar de forma sustentável, um sistema robusto de controles internos é inegociável. A contabilidade desempenha um papel central na construção dessa estrutura.
- Rastreabilidade da Cadeia de Suprimentos: Implementar sistemas que garantam a rastreabilidade dos minerais desde a mina até o cliente final. Isso é crucial não apenas para a gestão de custos, mas também para atender a requisitos de conformidade e de clientes preocupados com a origem dos materiais;
- Gestão de Custos e Estoques (CPC 16): A volatilidade dos preços das terras raras exige um controle rigoroso dos estoques, que devem ser avaliados conforme o CPC 16 (Estoques), pelo custo ou valor realizável líquido, o que for menor. Custos de remoção de estéril durante a fase de produção, por exemplo, recebem tratamento específico pelo ICPC 18;
- Análise de Cenários: Modelar o impacto financeiro de sanções, tarifas ou flutuações cambiais, fornecendo à gestão informações valiosas para a tomada de decisões estratégicas, como a assinatura de contratos de fornecimento de longo prazo.
Conformidade e Relatórios Financeiros e de Sustentabilidade (ESG)
A transparência é a chave para ganhar a confiança dos investidores e do mercado. As empresas de mineração de terras raras no Brasil estarão sob intenso escrutínio.
| Norma Contábil (CPC) | Aplicação no Setor de Terras Raras |
| CPC 26 (Apresentação das Demonstrações Contábeis) | Exige a divulgação clara dos julgamentos e das fontes de incerteza que têm o risco mais significativo de causar um ajuste material nos valores contábeis de ativos e passivos. |
| CPC 25 (Provisões, Passivos e Ativos Contingentes) | Essencial para o reconhecimento de provisões para desmobilização de minas e recuperação ambiental. Os custos futuros estimados devem ser provisionados e ajustados periodicamente. |
| CPC 48 (Instrumentos Financeiros) | Contratos de fornecimento e venda a longo prazo podem conter derivativos embutidos que precisam ser separados e mensurados a valor justo. A norma também orienta a divulgação de riscos de mercado, crédito e liquidez. |
| CPC 09 (Relato Integrado) | A crescente demanda por relatórios ESG torna o relato integrado um diferencial. A contabilidade deve liderar a coleta e a asseguração de dados não financeiros (emissões, uso de água, segurança) para demonstrar o compromisso da empresa com a sustentabilidade. |
Conclusão: Uma Chamada à Ação para a Contabilidade Brasileira
O potencial do Brasil no mercado de terras raras é imenso, mas o caminho para realizá-lo é complexo e repleto de riscos. O sucesso não dependerá apenas de geólogos e engenheiros, mas também de profissionais de contabilidade visionários e tecnicamente preparados.
Para os escritórios de contabilidade, surge uma oportunidade única de se especializarem e se tornarem parceiros estratégicos nesta nova fronteira econômica. Oferecer serviços de consultoria em gestão de riscos, implementação de controles internos, avaliação de ativos minerais e asseguração de relatórios de sustentabilidade será um diferencial crucial.
Ao dominar as nuances dos CPCs aplicáveis à mineração e compreender o tabuleiro geopolítico global, a contabilidade brasileira pode ser a força motriz que ajuda a transformar as vastas reservas do país em um pilar de prosperidade e segurança estratégica para o futuro.
Referências
China Briefing. (2025, 30 de outubro). How Will China’s Rare Earth Export Controls Impact Industries and Businesses? https://www.china-briefing.com/news/chinas-rare-earth-export-controls-impacts-on-businesses/
International Energy Agency. (2025, 23 de outubro). With new export controls on critical minerals, supply concentration risks become reality. https://www.iea.org/commentaries/with-new-export-controls-on-critical-minerals-supply-concentration-risks-become-reality
Huang, H., et al. (2025). Export control and earnings management: Evidence from China. International Review of Financial Analysis, 104. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1057521925004284
Corporate Finance Institute. Mining Asset Valuation Techniques. https://corporatefinanceinstitute.com/resources/valuation/mining-asset-valuation-techniques/
PwC. (2024, 16 de julho). Accounting implications of geopolitical conflicts. https://viewpoint.pwc.com/dt/gx/en/pwc/in_depths/in_depths_INT/in_depths_INT/accounting-implications-of.html
Serviço Geológico do Brasil (SGB). (2025, 6 de agosto). Serviço Geológico do Brasil esclarece dúvidas sobre potencial do país para terras raras e minerais estratégicos. https://www.sgb.gov.br/w/servico-geologico-do-brasil-esclarece-duvidas-sobre-potencial-do-pais-para-terras-raras-e-minerais-estrategicos
